225. Os The Darma Lóvers: “Shiva”

Quero estar lá
Vendo Shiva dançar
Vejo e não há
Eu algum, além desse pensar
Há som no ar
Ouço Shiva que vem devorar
Quero dançar
Junto a Shiva, ser o seu jantar


Foi em 2000 que vim a conhecer uma banda – ou melhor, dupla – gaúcha muito diferente das tantas outras que já trouxe ao blog. A matéria da revista Showbizz falava sobre as letras e a fundamentação budista deles, Os The Darma Lóvers, que despertaram minha atenção primeiro pelo nome, depois pelo figurino, e apenas por último, pelo som.

A matéria destacava que os dois – Nenung e Irínia, à época, um casal – acabavam de gravar uma versão em português para “Fly Away”, então hit de Lenny Kravitz, agora vertida para “Ir Além”. A canção aparecia no primeiro álbum da dupla, homônimo, que era lançado naquele final de século.

Alguns anos mais tarde, acabei conhecendo algumas dessas canções – “Ir Além” estou ouvindo neste exato momento, e pela primeira vez! E é exatamente como a imaginei, há quase 20 anos… – e me enamorei por uma em especial: “Shiva”.

Desde que conheci o caminho do yoga e busquei mais leituras sobre o panteão hindu, confesso que acabei nutrindo uma simpatia maior por esse deus, que representa o princípio renovador na trindade daquela cultura (Brahma seria o princípio criador e Vishnu, o mantenedor). Quando me sinto preso à inércia, é comum que enxergue a solução no lindo mantra “Shiva Shambo”, que costuma me pacificar bastante, e renova minha fé num certo poder transformador interno.

Assim, nada mais natural que essa canção, adornada por belas cítaras indianas (fora isso, trazendo apenas mais uma das singelas bases instrumentais baseadas nos violões, então típicas da banda), seja a minha favorita d’ Os The Darma Lóvers. A letra alude à figura de Shiva Nataraja, qualidade do deus enquanto dançarino que, com seus movimentos, desfaz o ser, daí o refrão “Ver dançar / Ver não ver / Ser jantar / Ser não ser”.

O jantar, por sinal, aparece em referência à ação de Shiva já anunciada alguns versos antes: “Ouço Shiva que vem devorar / Quero dançar / Junto a Shiva, ser o seu jantar”. Sim, no hinduísmo é assim: a relação que se mantém com os deuses pode soar bastante estranha àqueles habituados à adoração nos moldes judaico-cristãos.

No cristianismo, por exemplo, Deus é pai. Jesus, apesar de seu filho, também é tratado como uma figura paterna pelo fiel, que jamais se dirigiria a Cristo como “Meu filhinho, orarei por você no dia de hoje!”. Já na cultura da Índia, esse tipo de invocação é possível e até desejável.

E a letra de Shiva se refere ao deus como um destruidor-devorador, qualidades também impensáveis no seio de nossa cultura ocidental. Pois é, no catolicismo, é o fiel quem come o corpo de Cristo; no candomblé, são os deuses que comem o alimento mundano; e no hinduísmo, Deus devora é você!

E que cada um possa ser feliz no seu próprio caminho. Os The Darma Lóvers parecem muito contentes no que escolheram.

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Irínia e Nenung, para sempre Os The Darma Lóvers: violões, filosofia indiana e psicodelia num caldeirão de deleite e muita paz.

3 comentários

    1. Gostaria de trazer mais sons nessa linha. Por enquanto, nossa lista tem Ana Rita Simonka, Tomaz Lima, Eduardo Agni e Os The Darma Lóvers. Fica como lição de casa, para mim, pensar em mais algum título calmante! Grato pelo comentário.

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