359. Claudionor Germano: “Morena Azeite”

Morena me dê a mão, morena me dê o braço
Também o seu coração para levantar o mormaço
A coisa aqui tá fervendo e quem vier leva o passo
Preste atenção, minha nega, para não perder o compasso


Ahá, te peguei! Fale a verdade, você achou que o tema de hoje seria

359. Simone: “Então É Natal”,

não achou?

Pois é, nosso assunto nada tem a ver com as comemorações natalinas – que o blogueiro respeita, sim, inclusive esteve em família agora há pouco trocando presentes, etc. Aliás, pensando bem, o tema mantém elos sim com o feriado mais celebrado do ano. Quer dizer, não o tema em si, mas o conteúdo do post.

É o seguinte. Este blog está alcançando a marca de 360 postagens e, em mais alguns dias, o projeto se conclui. E me recordo, neste momento, em como a iniciativa foi saudada com entusiasmo (tirando os casos de ceticismo) pelo que posso chamar de “núcleo duro” de minha rede de amigos.

A audiência do blog, hoje estabilizada numa média de 2.000 acessos mensais, por cerca de 700 visitantes diferentes, começou com números bem mais modestos: em janeiro e fevereiro, eram menos de 500 acessos, divididos entre pouco mais de 100 frequentadores a cada mês. Entre esses 500/100, lá estavam meus grandes companheiros e companheiras de jornada neste planetinha, e o post de hoje falará sobre isso, ao mesmo tempo, fazendo uma pequena retrospectiva das postagens que, de certa forma, foram pautadas por essa turma.


Logo nas primeiras semanas, essas (boas) influências já estavam determinando as postagens.

“Ogum”, de Zeca Pagodinho, veio da sugestão de um tema (o orixá guerreiro) por parte da Cris. Por uma enorme coincidência, o post de “O Homem Da Gravata Florida” (Jorge Ben) também esteve relacionado com ela que, mais tarde, seria explicitamente homenageada com um post de aniversário, “Gente Feliz (Sinceridade)”, de Vanessa da Mata.

Logo depois, tivemos “Lindo Blue”, uma forma de agradecer ao querido casal Luciana e Michel, aqueles que me apresentaram a figura de Walter Franco – que, na verdade, eu conhecia de leve, mas foram eles que me incentivaram a mergulhar de cabeça na obra desse gênio que, infelizmente, nos deixou dia 24 de outubro.

Aliás, 24 de outubro é dia de outro aniversário, o do nosso parceiríssimo Bolão. Estivemos juntos no início do ano, num fantástico churrasco em sua aconchegante residência em Cotia. Enquanto acendíamos a churrasqueira e estendíamos os deliciosos cadáveres de bovinos e congêneres na grelha, Bola tratou de providenciar a trilha sonora, com o melhor do samba e do pagode, do mencionado Zeca Pagodinho a clássicos como Cartola e Candeia. Estávamos em casa. Eu e Scooby, sobretudo, passamos boa parte do tempo, entre um copo e outro, cantarolando aquelas canções. E Bolão faz a avaliação mais objetiva de todas, nem por isso, menos tocante:

– Pô, sempre coloco essa trilha pra animar os churrascos, e vocês são meus únicos amigos que curtem esse som.

Ora, meu caro Diego Moncayo, “Amigo É Pra Essas Coisas”, não é mesmo? E tenha certeza, Bola: pensei muito naquele churrasco na hora de escolher boa parte dos sambas que aqui vieram.

O mencionado Scooby, esse irmão que nunca tive, junto da queridíssima Lili, estiveram também muito presentes aqui. No início do blog, eram eles quem seguravam a onda nos comentários, quase diários. Posso dizer que quebraram um galhão até a chegada de nosso “comentarista oficial”, o Ademar (que não deixa passar nada em branco e, frequentemente, acrescenta informações que eu simplesmente ignorava, para cada tema do blog). Bom, já devo ter dito isso um milhão de vezes (e, se não disse, é porque realmente não precisava!): foi uma verdadeira honra ser padrinho desse casamento, que acaba de render um pequenino fruto chamado Olívia. Além de “Asa Morena” (e quem diria que o post da Zizi Possi seria o mais visitado de todos?) – que narra o dia em que recebi o convite oficial para apadrinhá-los –, imaginei que as pequenas menções aos temas infantis, aqui e ali (como em “Fome Come”, do Palavra Cantada, e “Lindo Lago Do Amor”, na interpretação de Adriana Partimpim, alter ego da Calcanhotto, e em presenças incidentais no posts de “Não Pare Na Pista”, de Raul/A Bolha, e de “A Cruz E A Espada”, de Paulo Ricardo), poderiam ser uma boa iniciação da Olívia ao mundo musical.

Foi, realmente, a criança em quem mais pensei na hora de escrever, desde os meses finais da gravidez da Lili. Mas lembrei também, por exemplo, do Antônio, filho de minha amiga e companheira de sala na universidade, a Cândida. Foi por causa deles que pautei, aqui, mais uma de Walter Franco, dessa vez na voz de Leila Pinheiro, “Serra Do Luar”.

Falando no pessoal de Santo André, houve certa influência do Marco Antônio (que indicou uma porção de artistas geniais, como Evinha e Cassiano, que infelizmente não consegui arrumar espaço para pautá-los), acatando sua precisa (e necessária) indicação de “Mestre Jonas” (Sá, Rodrix & Guarabyra). À época em que me encaminhou uma lista de canções setentistas, disse estar escutando “Canção Da Meia-Noite”, dos Almôndegas, que já tinha ganhado um post, e sugeriu também um Ednardo maravilhoso: “Enquanto Engoma A Calça”. No fim, acabei pautando outra do cearense (“Ausência”), mesmo assim, de uma bolacha que Marco ostenta orgulhosamente em sua coleção, O romance do pavão mysteriozo (1974). (Mas confesso que fiquei me coçando para discorrer sobre os lindos versos de “Enquanto Engoma A Calça”: “Porque cantar / Parece com não morrer / É igual a não se esquecer / Que a vida é que tem razão” – e arrepare, irmão: escrever sobre cantar também “parece com não morrer”… e talvez eu escreva, aqui, por esse motivo!).

A ala mais jovem, no solo andreense, também marcou presença.

Augusto deixou suas curtidas e um comentário bacana em “Quanto Vale A Liberdade?” do Cólera. Albert disse ter gostado, bastante, de um post: aquele sobre o clássico dos Racionais MCs, “Diário De Um Detento” (e fiquei surpreso por ter conseguido emocionar um marmanjo daquele tamanho, com um texto tão pessoal – segundo ele mesmo me confessara). Achou surpreendente que eu trouxesse “Matamahatta” do Sepultura, mas infelizmente não achei espaço para uma indicação sua que, de qualquer forma, acabei incorporando na minha lista de favoritos do YouTube: Gui Silveiras e as canções de seu Caburé (2013).

Jaque foi outra que fez diversas sugestões. Caminhávamos perto da universidade quando comecei a cantarolar “Hoje Cedo”, do Emicida, e ela passou a me acompanhar. Pensei muito nessa cena, na hora de escrever o respectivo post. E tentei caprichar mesmo na hora de preparar o texto para “Doce Vampiro”, um pedido antigo seu. Na verdade, demorei a atendê-lo justamente para não postar algo meia-boca, e fiquei contente ao saber que Jaque gostou do resultado.

E, se tem Jaque, tem a inseparável Lourena: dela, foi uma alegria receber tocantes comentários (alguns, pessoais, jamais postados) sobre canções como “Vaca Profana”, cantada pela Gal, e “Pedro Pedreiro” (aqui, na versão do Quarteto em Cy).

Uma campeã de pedidos foi Julia, homenageada em seu aniversário com “Clube Da Esquina 2”, na versão de Nana Caymmi. Minha amiga fez uma série de sugestões interessantes; acabei acatando a maior parte dos artistas, e não as canções (ressalte-se, por absoluta incapacidade de escrever sobre elas). Assim, coloque na conta dela boa parte dos posts sobre os cancionistas mais geniais (e, muitas vezes, malditos) dos anos 1970: lá estão Tom Zé (“Defeito 13: Burrice”), Di Melo (“Conformópolis”), Luiz Melodia (“Esse Filme Eu Já Vi”) e Jards Macalé (“Trevas”). Mas, apesar dessas loucuras todas, sei mesmo que você gosta também de uma boa canção pop, como o hit de Lô Borges “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, não é, Julieta?

Outro irmão que recebi nesta vida é o MP. Considero, aliás, um privilégio que moremos tão perto (1h15min de transporte público pela metrópole paulistana), embora esse maleitoso use o batido “pô, é mó longe, Japa!” como desculpa para não colar no ABC. No fim, ele acaba tendo que me receber pelo menos mensalmente em sua casa coletiva, que acabei tomando como lar também, tamanha a densidade de gente bacana morando lá. Nesses encontros, rimos a bandeiras despregadas e, claro, falamos muita besteira, sempre.

Dois temas buarquianos do blog vieram dessas visitas, por sugestão dos outros moradores da casa: Rafa e Caio indicaram, respectivamente, “Corrente” e “Caravanas”. Já o próprio MP escreveu um e-mail saturado de informações sobre seus mais recentes achados cancionais, também em diálogo com o Caio. Vou tentar resumir.

Em 1932, Lamartine Babo cantava “A.E.I.O.U.”, uma parceria com Noel Rosa, incluindo a letra “W” (“dabliú, na cartilha da Juju”) entre as vogais.

Cerca de 20 anos depois (1953), Rosil Cavalcanti fazia “Sebastiana”, que segue abaixo, na versão que MP me sugeriu – Gonzagão com a cantora Guadalupe:

Ora, em “Sebastiana” as vogais eram outras: “E gritava A, E, I, O, U, ipsilone / Mas gritava A, E, I, O, U, ipsilone”! Então meu amigo ficou encafifado, e resolveu consultar o histórico das reformas ortográficas brasileiras para saber se e como W e Y foram oficializadas, em algum momento, como vogais de nossa variante da língua portuguesa. Palavras de meu interlocutor:

pensei que a chave para desatar esse quiprocó assonante seriam as reformas ortográficas da língua portuguesa entre as composições, mas no entanto isso não elucidou, pois a Reforma de 43 removeu o K, Y e W. Procurei também em alguns jornais da época, para ver se existia uma abundância de palavras com W em 32 e/ou com W em 53, mas a busca também não rendeu frutos. Ai então o Caio me mostrou um livro, “Raízes do Riso”, no qual ele conta a história da comédia musical do Brasil, e nele continha uma música do Babo.

Bom, obra de Babo em questão era “Canção Pra Inglês Ver”, que pensei em tematizar aqui pela versão de uma artista magnífica, Marília Pêra:

Estava tudo certo para tratarmos desse assunto. Foi quando percebi que “Canção Pra Inglês Ver” já tinha sido tematizada no 365 Canções original, do Leonardo Davino. Pra completar, meus próprios estudos sobre as reformas ortográficas (mediante o livro de Armando Niskier, Educação brasileira: 500 anos de história) também não haviam conduzido a nada: segundo o autor, as reformas da República Velha, até o Estado Novo, não foram bem recebidas por parte da população. Induzi, daí, que as normativas ortográficas oficiais foram mesmo ignoradas, ou até ressignificadas pela intelectualidade da época, num processo de resistência ativa, ora mais explícita (com declarações, nos jornais, dirigidas aos órgãos responsáveis pela questão, primeiro o Ministério de Instrução Pública, Correios e Telégrafos, depois o Ministério da Educação e Saúde Pública), ora mais velada.

No fim, acabei não pautando nada vindo do MP – que, no entanto, foi um cúmplice e tanto na tremenda operação envolvida nos bastidores do post sobre “Abrigo De Vagabundo” na versão dos Demônios da Garoa, em comemoração ao aniversário de nosso amigo Klaus Kirschbauer. A tal operação envolveu a difusão de um link falso sobre a canção (e sobre Klaus), indicando um “continue lendo…” que conduzia diretamente para a homenagem verdadeira (e merecida). Mas isso só o pessoal dos tempos da USP em São Carlos teve acesso, ficando registrada como uma deliciosa inner joke na história do blog.

Naquele 29 de agosto, passaram-se apenas dois dias desde que outro amigo completou anos. Bob foi mencionado em dois posts (sobre “A Seta E O Alvo”, de Paulinho Moska; e sobre “Cotidiano nº 2”, de Toquinho e Vinícius), mas não consegui atender a seu único pedido: “Todo O Sentimento”, de Chico Buarque, inicialmente prevista para, de fato, 27 de agosto. Novamente, o motivo do indeferimento foi simples: me julguei incapaz de falar sobre a linda canção de Chico e Cristovão Bastos.

Depois, pensando mais a respeito, cheguei à conclusão de que poderia sim ter pautado a obra, mas perdi, afinal, uma excelente oportunidade de tratar de um assunto interessantíssimo: o tempo. Cronos não é apenas um personagem da canção (em todas as suas facetas: da modorrência à pressa, vide o belíssimo achado poético de “Te amando devagar e urgentemente”), mas é também a base de sustentação de qualquer discurso cancional, a principal categoria que fundamenta e organiza os elementos semióticos na canção popular. Havia um projeto, bastante antigo, de escrever um artigo justamente sobre “A alquimia do tempo na obra de Jorge Ben Jor”. Projeto que, com o tempo livre que conquistarei graças à conclusão do 365 Canções Brasileiras, poderei, enfim, retomar. Será que ainda é tempo?

Krusty e Demorô, que compartilham do (bom) gosto por sambas de modas de viola, dialogaram com posts como aquele sobre “Boi Soberano” (de Zé Carreiro e Carreirinho) e “As Forças Da Natureza” (na voz de Clara Nunes). Gosto de perceber, aliás, em como a canção popular sempre foi um tema presente em nossas amizades. Também acho bacana que meus dois amigos sejam, hoje, também amigos entre si, e espero que consigamos nos reunir, no ano que se aproxima, para petiscar um queijo e bebericar uma boa cachacinha, falando sobre as canções que admiramos. (E terei que convidar, lógico, outro grande companheiro nosso, Pirambú, responsável por disseminar o blog em terras lusitanas – de onde recebo acessos quase diariamente).

Mais recentemente, Jeca enviou-me um e-mail falando sobre um enigmático (a mim) meme: “Mas você deve ter visto, claramente, esse sucesso da caneta azul”. Ora, meu caro Tiago, estava completamente por fora! Mas gostei muito da mensagem, com um conteúdo intelectual e reflexivo de se tirar o chapéu. Com efeito, meu amigo fez sérias considerações sobre a inserção do gênero cancional em meio à cultura de massas da contemporaneidade, com amplas repercussões no contexto cultural brasileiro:

O interessante, mascarado pela ideia da música ser algo que não sai da cabeça, similar a músicas ruins de comerciais, é que a música [a da tal caneta azul] é uma canção muito boa, eu acho. Um cancioneiro regional fazendo de maneira análoga a muitas cantigas que pariram há muitos anos atrás. Ainda, pensando na modernidade, em que um músico ganha o Prêmio Nobel de Literatura (Bob Dylan) e em que memes são a nova expressão cultural (talvez, anos à frente, sejam parte de um movimento literário), a canção cai bem.

Me sinto verdadeiramente privilegiado por ter amigos que levem a canção popular tão a sério, e decidam escrever um e-mail – quem escreve tais e-mails hoje em dia? – para compartilhar esse tipo de reflexão.

E, pensando bem, sempre foi assim. Afinal, um dos dias mais memoráveis de minha vida foi vivido junto desses dois últimos personagens, Demorô e Jeca, mais Silvia Helena – que ajudou a divulgar o blog em diversas ocasiões, e teve uma sugestão aqui acatada: “A Moça Que Dançou Com O Diabo”, de Vieira & Vieirinha –, e foi uma ocasião totalmente comprometida com o mundo cancional. Passamos um dia inteirinho largados na república, bebendo cerveja barata e virando e revirando, na vitrola, o mesmo LP, a coletânea Frevança 84.

capa-frevança-84.jpg

Bom, o tema de hoje, “Morena Azeite”, é a única canção do álbum que encontrei num link compartilhável. Por isso, em homenagem não apenas a quem esteve comigo naquele preguiçoso dia de 2008 (em que escutamos a canção, de Severino Luiz de Araújo, interpretada por Expedito Baracho, e que aqui trago na versão de Claudionor Germano, simplesmente o Rei do Frevo), mas a todos os demais amantes do principal objeto deste blog, resolvi escrever este longo texto, encerrando-o de maneira festiva: é mesmo uma grande alegria, a ser celebrada com frevos, maracatus e o que mais vier, estar rodeado por gente tão preciosa.

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Claudionor Germano: o Rei do Frevo, embalando celebrações à vida e ao que ela tem de bom – como uma boa amizade.

Mas ainda não acabou: temos ainda seis posts por fazer, e talvez eu possa atender a mais um último pedido, encaminhado aos 45 do segundo tempo.

8 comentários

  1. Grande ano musical, com muita cultura e ótimas canções, seguidas de reflexões. Aguardo a edição em livro desse memorável blog.

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    1. Grande Mulan, sem o seu incentivo no início do projeto, e sem os comentários da Didi, eu não teria levado a tarefa adiante – ou pelo menos, não com o mesmo empenho.
      Quanto ao livro, acho que é um projeto para médio prazo, pois os 365 posts precisarão de muitos ajustes.
      No mais, tô com saudade de vocês, não sumam!

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  2. Sem palavras! Belíssima obra Rafa! Cada interpretação, cada análise, cada observação. São tantas canções tão diferentes entre si, mas ao mesmo tempo tão intrigantes na forma como foram elaboradas e sua coerência em analisá-las realmente me fizeram refletir muito mais sobre a profundidade de se fazer uma canção.
    Aguardando o livro com dedicatória!
    Bjo

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    1. Vixe, como reagir quando alguém que entende de canção faz um elogio assim? Rapaz, sabe de uma coisa? Acho que você é um dos responsáveis por este projeto, pois seu bom gosto me incentivou a escutar e a investigar as canções brasileiras – isso lááááá atrás, nas reuniões da turma no seu apartamento. Acho que o ecletismo foi outra coisa que aprendi a cultivar junto de você, do Gordo, do Curió, enfim, sempre fomos muito abertos a todos os gêneros, e o blog procurou evidenciar as qualidades dessas diferentes formas de fazer e escutar a canção.
      E quem sabe pinte um livro mesmo. De qualquer forma, a dedicatória já está feita aqui!
      Abraçaço

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